Por que a China não vai telefonar para um “bárbaro tarifário”?

Pepe Escobar – 12 de abril de 2025

O frenesi tarifário de Trump (TTT), no estilo “criança birrenta”, agora acelerado para 145% – e aumentando – é mais um registro estrondoso do pombo bagunçando o tabuleiro de xadrez.

Isso não vai funcionar. Trump afirmou que a China o chamaria para “fazer um acordo”. Isso é coisa de reality show. A realidade mesmo é mais parecida com a declaração da Comissão de Tarifas Alfandegárias do Conselho de Estado: “Dado que as exportações dos EUA para a China já não são aceitáveis no mercado sob as atuais tarifas, se os EUA impuserem tarifas adicionais sobre os produtos chineses, a China simplesmente as ignorará.

Tradução: continue vociferando/tarifando. Nós não nos importamos. E deixaremos de comprar de você. Qualquer coisa.

O Ministério das Relações Exteriores da China: Um “bárbaro que impõe tarifas nunca pode esperar uma ligação da China”.

Números básicos. O [crescimento do] PIB da China para 2025 está projetado em 5%. As importações dos EUA representam, na melhor das hipóteses, 4% do PIB chinês. A participação da China no total de exportações para os EUA caiu para 13,4% em 2024.

O Goldman Sachs – que não é exatamente um “porta-voz” do PCC – acaba de projetar que a TTT custará à China apenas 0,5% do PIB em 2025, enquanto custará nada menos que 2% do PIB dos EUA. Isso sim é que é um blowback.

Ainda assim, de agora em diante, o que mais importa para Pequim é continuar diversificando a cadeia de suprimentos.

Em toda a Ásia, rodas extras estão em movimento. O presidente Xi Jinping iniciará em breve uma miniturnê pela ASEAN (Vietnã, Camboja, Malásia). A Organização de Cooperação de Xangai – cada vez mais focada na geoeconomia – está prestes a se reunir. A UE, apesar de toda a falsidade de suas “elites”, está absolutamente ansiosa para fechar acordos comerciais com a China.

Zhao Minghao, vice-diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade Fudan, em Xangai, refere-se à atual incandescência como “um jogo de determinação estratégica”.

Anteriormente, o eminente Wang Yiwei, professor titular de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, e especialista nas Novas Rotas da Seda, observou que a atual taxa tarifária já tornava as exportações da China para os EUA “quase impossíveis”.

Essa análise observou como a China começou a lidar com a TTT com uma abordagem de “cortesia antes da força”, depois passou para “não nos importamos”, enquanto cultivava “a arte de esperar” em seu ataque assimétrico às ações dos EUA.

Uma janela fascinante sobre as verdadeiras engrenagens do comércio chinês é oferecida por uma visita oportuna à vasta cidade de comércio internacional de Yiwu, a maior concentração de pequenos comerciantes do planeta.

Entre os 75.000 operadores comerciais da Yiwu Small Commodity City, apenas pouco mais de 3.000 fazem negócios com os EUA.

Dois sinófobos encontram uma miragem

A TTT é, em grande parte, produto de dois arrogantes/ignorantes sinófobos da Equipe Trump, o assessor econômico Peter Navarro e o Secretário do Tesouro Scott Bessent, que não sabem nada sobre a China.

De fato, foi Bessent quem, logo no início, deu o jogo por encerrado:

“Isso foi impulsionado pela estratégia do presidente… Pode-se até dizer que ele colocou a China em uma posição ruim. Eles responderam. Eles se mostraram ao mundo como os maus atores, e estamos dispostos a cooperar com nossos aliados e com nossos parceiros comerciais que não retaliaram.”

Uma armadilha grosseira. Com o único foco na China. Isso não tinha nada a ver com o enredo inicial: tarifas, no estilo da máfia, sobre a maior parte do planeta, incluindo os pinguins. Se vocês não retaliarem, tudo bem. Se o fizerem, atacaremos com mais força.

Esta é uma excelente exposição da chamada ” miragem de Miran” – em homenagem ao suposto cérebro econômico de Trump, Stephen Miran. O que está realmente acontecendo, rapidamente, ignorando a noção estúpida de que as tarifas serão pagas pela depreciação da moeda [ original “current”, provavelmente um erro de digitação para “currency” – nota do tradutor ] em outros lugares (veja o white paper de Miran aqui), é a demolição descontrolada dos EUA como um centro de comércio mundial.

Quando perguntado por que havia suspendido as tarifas, Trump respondeu: “Achei que as pessoas estavam se excedendo um pouco. Elas estavam ficando um pouco nervosas. Estavam ficando com medo”.

Que bobagem. Trump não pode admitir oficialmente que a oligarquia dos EUA, Jamie Dimon e cia. se assustaram muito; e isso, somado ao desastre no mercado de títulos, forçou-o a recuar.

Ninguém no céu e na terra neoliberais pode mexer com a Deusa do Mercado.

Quanto à estratégia de longo prazo de várias nações da Maioria Global pegas no furacão do fogo cruzado da TTT, sem mencionar os grandes atores como a China e a UE, todas elas reduzirão avidamente sua dependência dos mercados dos EUA.

Mais uma vez, o elaborado “acordo” oferecido por Trump e seus conselheiros analfabetos se resumiu a uma “oferta irrecusável” de um mafioso: acabar com seu comércio com a China – o maior parceiro comercial de quase todas essas nações – ou diminuí-lo significativamente, e negociar com o Excepcionalistão, mais 10% de tarifas. Para o inferno com sua soberania econômica e flexibilidade estratégica. Mais uma vez: é do nosso jeito ou a rua tarifária.

Em vez disso, a realidade ditará que os EUA importarão cada vez mais produtos chineses de terceiros países, enquanto a China continuará sendo paga por isso. A China exportará ainda mais para a ASEAN e outros atores da Maioria Global.

Do jeito que está, o “plano” de Trump – se é que existe algum – continua sendo “estabilizar” seus aliados enquanto concentra todo o poder de fogo na China, em teoria para levar as complexas cadeias de suprimentos da China ao caos e forçar as empresas a transferir as linhas de produção para, por exemplo, o Vietnã ou a Índia.

Sacudida que leva à quebra

A contenção da China estará em alta velocidade. Espere um tsunami de restrições tecnológicas, linhas vermelhas de investimento e, é claro, sanções adicionais. O sinófobo Bessent não descarta a possibilidade de retirar as ações chinesas das bolsas de valores dos EUA: “Acho que tudo está na mesa (…) Essa será uma decisão do presidente Trump.”

Pequim, por sua vez, pode facilmente se tornar nuclear, decidindo por uma venda em massa de seus títulos do Tesouro dos EUA, com consequências catastróficas em cascata. Em janeiro, Pequim detinha US$ 760 bilhões em dívidas dos EUA. Com um toque diplomático agradável, Yang Panpan e Xu Qiuyan, pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências Sociais, observam que o que acontecerá com os títulos do Tesouro dos EUA permanece “altamente incerto”.

O investidor bilionário Ray Dalio, da Bridgewater, por sua vez, apesar de incisivo, também foi pesado na diplomacia: “Estamos vendo um colapso clássico das principais ordens monetárias, políticas e geopolíticas.”

Não existe mais uma “ordem mundial cooperativa” liderada pelos EUA (na verdade, ela foi tudo menos cooperativa”); Dalio pelo menos reconhece o unilateralismo manifesto na “guerra comercial, guerra geopolítica, guerra tecnológica e, em alguns casos, guerras militares lideradas pelos EUA”.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, sintetizou de fato a posição de Pequim. Não mais o Sr. Bonzinho, que era a posição padrão chinesa até recentemente: se os EUA insistirem em travar uma guerra tarifária e uma guerra comercial, a China lutará até o fim.

Então, aqui estamos. E, mais uma vez, é o Império do Caos contra o BRICS.

O Império do Caos embarca em uma guerra geoeconômica acirrada contra sua concorrente China; contempla uma guerra militar acirrada contra o Irã soberano; e, ao mesmo tempo, tenta apaziguar a potência nuclear/hipersônica Rússia em uma espécie de acordo nebuloso para congelar um pouco a Guerra Eterna por procuração na Ucrânia.

O novo triângulo de Primakov, RIC (Rússia-Irã-China), está perfeitamente ciente desses movimentos. Putin caracterizou metaforicamente a posição russa na guerra comercial entre os EUA e a China quando mencionou que os chineses têm um bom provérbio: quando os tigres lutam no vale, o macaco esperto se senta e observa como termina.

Agora é mais o caso de três macacos sábios perfeitamente cientes do que um pombo que se faz passar por águia está realmente tramando.


Fonte: https://strategic-culture.su/news/2025/04/12/why-china-wont-call-tariff-wielding-barbarian/

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